O estudo realizado pelo doutor Heitor Braga, investigador do DBio (Departamento de Biologia) & CESAM (Centro de Estudos do Ambiente e do Mar), no grupo de investigação Environmental Changes, Hazards & Conservation (ECHC), foi recentemente publicado no jornal de maior destaque em estudos de política oceânica – Marine Policy.
O trabalho foi coordenado pela doutora Luísa Magalhães, investigadora do DBio & CESAM, através do Projeto COACH (http://coach.web.ua.pt/), que tem como principal objetivo recolher informações multifatoriais sobre a biologia, habitat e pesca de berbigão na Ria de Aveiro, e é financiado pelo Fundo para a Conservação dos Oceanos (Oceanário de Lisboa & Fundação Oceano Azul).
O professor doutor Ulisses Azeiteiro, do Departamento de Biologia da Universidade de Aveiro, e o professor doutor Alexandre Schiavetti, da Universidade Estadual de Santa Cruz, Brasil, e investigador associado do CESIMAR/CENPAT, Argentina, também contribuíram decisivamente na finalização desta inédita investigação etnobiológica com o berbigão em Portugal.
O objetivo do trabalho foi investigar as mudanças ocorridas na pesca do berbigão nas últimas décadas, com verificação do grau de satisfação dos pescadores face às condições instituídas na pescaria tradicional do berbigão na Ria de Aveiro, durante o atual período pandémico. A presente investigação também detalhou o perfil dos pescadores de berbigão e as relações entre as variáveis sociodemográficas destes pescadores artesanais, tradicionais da Ria de Aveiro. Através de um arcabouço metodológico adequado e sólido, proveniente de ferramentas da etnobiologia, o conhecimento ecológico local (CEL) mostrou uma tendência de queda no stock de berbigão a uma escala de tempo de cerca de 60 anos. Os membros das vilas de pescadores onde a amostragem foi realizada não experimentaram a síndrome da mudança da linha de base (Shifting baseline syndrome - SBS). A pescaria tradicional do berbigão mostrou-se suscetível ao intenso esforço de pesca, aumento do número de pescadores, diminuição de indivíduos adultos de tamanho comercial e no aumento da incidência de biotoxinas e de doenças no berbigão na região da Ria de Aveiro. No geral, os pescadores compartilharam que não estavam satisfeitos com as medidas e circunstâncias impostas à pesca do berbigão durante a pandemia de COVID-19 entre 2020 e 2021. Os principais pontos de descontentamento dizem respeito ao rendimento mensal e ao apoio financeiro do governo aos pescadores.
O conhecimento ecológico local (CEL) dos pescadores representou neste estudo de caso uma ferramenta alternativa crucial para reconstruir as bases ecológicas históricas da abundância de berbigão na Ria de Aveiro. Os dados informais de pescadores têm sido uma alternativa científica proeminente, especialmente em áreas onde as informações ecológicas e biológicas sobre os recursos naturais explorados são ainda insuficientes, como é o caso do berbigão na Ria de Aveiro. Os investigadores concluem que os resultados do CEL apresentados neste estudo emergem para apoiar os dados ecológicos do berbigão, dada a falta de dados primários sobre o esforço de pesca e a abundância desta espécie-alvo de considerável importância socioeconómica em Portugal.
O artigo científico foi intitulado “Checking the changes over time and the impacts of COVID-19 on cockle (Cerastoderma edule) small-scale fisheries in Ria de Aveiro coastal lagoon, Portugal” e encontra-se disponível no volume 135 da Marine Policy - The International Journal of Ocean Affairs desde 6 de novembro de 2021, estando acessível a toda a comunidade académica, na íntegra, em https://doi.org/10.1016/j.marpol.2021.104843.
O trabalho contou com o apoio de pescadores tradicionais de berbigão da Ria de Aveiro e de associações de pesca locais, bem como a colaboração de Simão Correia, aluno do Programa Doutoral em Ciência, Tecnologia e Gestão do Mar, e de Joana Pereira, aluna da Licenciatura em Biologia, ambos do Departamento de Biologia da Universidade de Aveiro.